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Archive for Maio, 2020

notas & noções 20 (2ª série)

 

… outra consideração quanto a crenças

 

»»»»» Outra consideração é a de que as crenças enraizadas são fonte, muito eventual fonte de desequilíbrios quer psicossociais quer institucionais… de facto, podem assumir vertentes suicidárias ou homicidas.

»»»»» Exemplos recentes da vertente suicidária alucinatória, baseados na crença de uma invulnerabilidade individual, sob protecção divina, foram dados pelas fiéis idosas, residentes num lar de terceira idade, e apresentados em reportagem televisiva: na cerimónia tradicional de celebração da Páscoa, as referidas fiéis beijaram a mesma cruz de Cristo, uma após a outra, imbuídas da abstracção de uma imaginária protectora e salvífica; outros não menos iluminados, estes não pelo catolicismo mas pela Igreja Evangélica, muito emergente na também muito emergente economia brasileira, e em presença do impávido presidente Jair Bolsonaro, abraçaram-se comovidamente, na para eles evidente de que o seu Deus os protegeria dos males do novo coronavírus; enfim, um religioso não menos imbuído das certezas inquestionáveis da , o bispo evangélico norte-americano Gerald O. Glenn, incentivou celebrações religiosas colectivas, expondo-se timoratamente ao dito vírus, de que veio a falecer a onze de abril do corrente ano. É um vírus de comportamento imprevisível, quando hospedado em seres humanos, mas de fácil transmissão e eventualmente letal.

»»»»» Quanto à vertente homicida, na história recente, há esse exemplo maximamente abstruso, para não referir outros, que é o de a cristã, junto com a muçulmana, proibirem o uso de preservativos, proibição que foi esteio de um difuso genocídio em populações de países africanos, aquando do surto virulento de VIH.

»»»» Não me abalanço à aventura de comentar os desastres da , ao longo da História do Cristianismo, mas muitos e de muitas consequências foram eles. Basta lembrar que os exércitos cristãos, nas cruzadas, ao avançarem para os campos de batalha, soltavam os seus gritos de incitamento bélico com fórmulas imbuídas da cristã.

 

António Sá

[15.04.2020/11.05.2020]

 

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notas & noções 19 (2ª série)

 

… consideração quanto a crenças

»»»»» Fundo-me no pressuposto de que uma entidade imaterial, invisível não é susceptível de criar um universo material, observável, mesmo que argumentos em contrário se entreteçam, visto que necessariamente nenhum argumento poderá, a este respeito, restringir-se ao humilde e só exercício da razão. Expus este pressuposto em notas & noções 18; retomo-o para fazer uma consideração atinente.

»»»»» Quanto a crenças e a sensibilidades vividas no âmbito individual, formulo-a deste modo: subtrair a um ser humano uma sua crença enraizada pode dar lugar a uma crise existencial, ou de identidade; e pode desse modo ser eventualmente desastroso para o seu equilíbrio psicossomático construído desde a infância. Esta consideração é válida para todos os domínios da personalidade: subtrair o que esteja nos fundamentos de uma identidade — como credos religiosos, fixações e obsessões, neuroses — sem que isso seja substituído ou compensado, numa operação acaso impossível, por outros componentes psíquicos que desempenhem um papel equivalente, pode constituir um factor de desmoronamento da estabilidade psíquica. Por isso, e defendendo-se, os seres humanos estão, desde cedo no seu crescimento, relativamente e progressivamente blindados, no que respeita a factores exógenos àquelas crenças e influências ancestrais, as mesmas que enformam as sociedades, são o seu ancestral leite materno. Assim desde cedo procuram encontrar o que reforce as crenças que sejam suas, e reproduzem infinitamente rituais que confirmem e certifiquem a “verdade” dessas crenças — “verdade” vivida como coisa natural, uma “segunda natureza” tão irreflectida quanto ilusoriamente universal.

»»»»» Da força de toda a ancestralidade interiorizada durante o processo educativo, no qual convergem e para o qual concorrem os convencionais modelos contemporâneos de educação familiar e escolar, decorre o “peso da tradição”, e a muito muito lenta evolução das sociedades humanas no sentido do que seja esclarecimento e distanciamento crítico dos obscurantismos, ou seja, das “verdades”, e aqui estou a cingir-me a “verdades” de carácter religioso e moral, que determinam a vida corrente, vivida sob a égide de plutocracias em crescendo, nas quais vivemos, em grande felicidade uns, em grande miséria a maioria da população mundial.

 

António Sá

[15.04.2020/02.05.2020]

 

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notas & noções 18 (2ª série)

 

… seres invisíveis

»»»»» Não será difícil entender este pressuposto: uma só entidade abstracta — uma divindade criadora — não é susceptível de produzir concretos e múltiplos universos, como este nosso universo conhecido. Não é credível, aceitando com humildade os estritos dados da razão, que uma entidade imaterial tivesse criado a infinidade da matéria ou, formulado de outro modo, tivesse produzido um big-bang e o abandonasse a uma expansão infinita, segundo leis de atracção e repulsa cósmicas.

»»»»» Confiando humildemente na razão, que é a instância que nos cabe enquanto humanos, simplesmente humanos, e sem subterfúgios, penso que é assim. Sabendo, entretanto, que toda a razão existe em mistura com o fluxo emotivo que nos determina.

»»»»» Nunca, na experiência humana historicamente reportada até hoje, se verificou que algo de material fosse criado ab ovo por uma entidade imaterial, invisível. A própria noção de invisibilidade remete para uma impossibilidade, o seu uso é necessariamente metafórico; trata-se de um conceito gerado pela linguagem, por oposição ao de visibilidade. Um hipotético ser invisível será, por exemplo, tão alucinatório quanto um kazumbi, ou um morto-vivo, sendo que em relação a estes se verifica um recurso à imaginação, ou da mística africana ou da cultura popular no muito vulgarizado registo gore. Uma divindade invisível, e por acréscimo provida de um triplo poder mágico, a omnisciência, a omnipotência e a omnipresença, há-de pertencer à categoria de mito criado pela inesgotável capacidade humana de efabular, modo de secreção útil para nós, humanos, nos defendermos do pânico ancestral perante o cosmos.

 

António Sá

[10.04.2020]

 

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