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Archive for Julho, 2020

Miniatura 30

Miniatura / 30 [Episódio de menstruação]

 

»»»»» Um dia, sentada na sua carteira de aluna, no decurso dos exercícios de leitura, Mariazinha de Fátima sentiu uma escorrência líquida na parte interior das coxas, que a paralisou de surpresa e perturbação, vergonha também logo antecipada por se alguém notasse a mancha húmida que se formava na saia. Felizmente para ela, já lera a sua parte do texto, e o intervalo do meio da tarde estava prestes. Ficou só muito quieta, apertou as coxas e a vagina o mais que pôde, julgando assim reter o corrimento. Sabia que não era urina, porque não tivera em nenhum momento qualquer vontade de urinar. E o intervalo chegou, ela levantou-se codevagarinho, olhando de lado como quem não vê para ver se a não vêem; andou a passo curto até ao pátio do recreio, onde saiu directa a falar do que lhe acontecia a uma rapariga sua colega mais crescida, como ela um pouco além da idade própria da segunda classe. Não consta do relato se esta menina pestanejou ao ouvir o caso, talvez nem, e elucidou-a pronto do que se passava, também ela passara por essa surpresa e vergonha da primeira vez. Conduziu-a até à casa-de-banho das alunas e fez-lhe a demonstração de como se desembaraçar em tal circunstância, abrindo-lhe o panorama futuro de sua vida de mulher. As cuequinhas estavam ensopadas desse líquido menstrual sanguíneo, assim Maria de Fátima devia arregaçar a parte inferior da combinação, metê-la dentro das cuecas, suplemento esse de tecido que absorvesse o líquido e sustivesse o que ainda corria.

»»»»» Foi neste conforto que Fátima assistiu à restante lição da freira Maria Luísa de modos suaves. E mais logo a pé, levando a bicicleta pela mão, foi chegando a casa, mal cumprimentou a vizinha dona Anita, postada à sua janela na tardinha. Em casa, explicou à cunhada, mana Maria de Lourdes, o sucedido. Esta, que estava mais longe que perto de prever tal eventualidade numa menina que ainda não completara os doze anos de idade, industriou-a de como se lavar no bidé, para isso servia esse pequeno reservatório ovalado de folha de zinco, pendurado num gancho na casa-de-banho; industriou-a também quanto a estar atenta à periodicidade daqueles eventos que haviam de continuar, e de como dispor dos toalhetes, para isso serviam, e providenciou-lhe uma pequena reserva de tais paninhos menstruais, bandeiras agora do adeus à meninice, projectando-a enquanto mulher em seu destino.

 

António Sá

[julho, 2020]

 

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